No Dia Internacional da Mulher percebi que poucas pediram flores. Chocolates e sapatos também não foram pedidos mais populares.
Algumas pediram que as fichas caíssem.
Outras pediram direitos fundamentais, sororidade (que até aquele joguinho do facebook eu nem sabia que era uma palavra real), igualdade.
Mas o que mais vi, o pedido campeão nesse meio pseudo engajado em que vivo, foi o tal respeito.
Incrível como depois de 40 anos de "comemoração" nesta data respeito ainda preciso ser PEDIDO.
Inacreditável pensar que em uma sociedade que se acha tão evoluída ainda seja preciso esfregar na cara de muitos que a sua liberdade termina quando começa a do coleguinha. E que quando a liberdade do coleguinha não fere a sua ele devia sim ser livre para fazer o que bem entender com seu corpo, para usar o que bem entender como roupa, para circular livremente quando bem quiser.
Até bem pouco tempo eu não me considerava feminista. Na verdade, nos tempos de orkut eu até estava em uma comunidade chamada "Pseudo-feministas" e achava isso o máximo (agora me acho uma velha falando nos tempos...). Por que não querer ser independente, conquistar meu espaço e também esperar que um namorado/paquera/peguete abra a porta do carro pra mim? Tempos depois comecei a pensar que talvez até mesmo esse gesto de gentileza fosse uma expressão do machismo que julgava a mulher frágil ou que o homem, por ser o provedor, precisava lhe fazer a corte. Fosse o que fosse, também pensei que qualquer pessoa deveria abrir a porta para a outra, sempre que possível, justamente para ser gentil. E gentileza independe de gênero.
Até bem pouco tempo eu me calava também. Sequer pensaria em me envolver em discussões polêmicas, em temas como religião ou política. Tinha preguiça ideológica. Pensava que as mulheres deveriam sim ter os direitos fundamentais que a constituição garante, salários iguais e várias outras coisas pelas quais têm lutado anos, mas essa era uma luta para as mulheres e não pra mim. Pra que me dar ao trabalho de discutir e argumentar com alguém que não quer ter uma outra visão? Por algum tempo eu também não queria ter outra visão, então pra que me dar ao trabalho?
Ainda hoje, tenho pensamentos conflitantes sobre o que meus olhos já enxergam e sobre aquilo que ainda não consigo ver, sobre as ideias que perpetuo por ainda não ter sido capaz de desconstruir. Tenho infinitas discussões comigo mesma sobre penso sem querer e sobre o que queria pensar involuntariamente. Padrões de beleza, auto afirmação, identidade negra, auto estima... São muitos os tópicos sobre os quais a sociedade impõe um pensamento retilíneo e uniformemente variado. Pode ser gorda e se achar bonita, mas nem muito gorda e nem muito bonita; pode ser negra e se valorizar, mas nem muito negra e nem muito valor; pode ser feminista e ser feminina, mas nem muito radical e nem muito mulherzinha. São rótulos e mais rótulos disparados diariamente, que se vestem como uma nova roupagem para enviar sempre a mesma mensagem: ainda não está bom, você precisa ser perfeita.
Na sexta-feira antes do Dia Internacional da Mulher inúmeras mensagens de parabéns já pipocavam por aí. A grande maioria disseminando a mesma ideia de mulher que enfeita, princesa, rainha do lar, mãe... Nada de errado nisso se você também puder admitir as inúmeras outras possibilidades contidas em uma mulher. No trabalho, talvez tentando evitar o lugar comum (ou não), ganhamos palha italiana e "Feliz dia da Mulher". Comentei aleatoriamente que esperava ao menos que soubessem o significado do dia e um dos colegas, querendo aproveitar a distribuição do doce, disse que só por aquele dia seria mulher também. Perguntei se, assim como as mulheres, ele estava "comemorando" o dia do "ah, mas ela estava de saia curta" ou do "ela estava pedindo umas porradas" ou do "tenha modos", dentre outras pérolas e ele respondeu perguntando o que tudo isso tinha a ver com a data.
Depois de vários exemplos atuais de abusos e assédio e de comentários sobre os poucos assuntos que "domino" (nem de longe, mas o mais próximo disso), fui obrigada a ouvir de umA colega de trabalho que "Mulher precisa se valorizar e saber se dar ao respeito. Por exemplo, 'essas meninas' que vão pro baile sem calcinha estão mesmo pedindo uma passada de mão lá, porque se não quisessem que passassem a mão, não estariam por aí dançando sem calcinha!". Não, migs, elas não estão pedindo nada.
Neste dia finalmente percebi porque precisamos ser feministas: ainda que você não concorde com as atitudes alheias, ninguém merece abuso, ninguém tem o direito de invadir seu espaço íntimo, ninguém tem o direito de se aproveitar de você, não importa a roupa que você está vestindo. Eu não preciso concordar com você, mas tenho que defender o seu direito (e o meu) de agir de acordo com a sua liberdade/vontade, de ser dona de seu corpo, de ter e desfrutar dos mesmos direitos que os outros por sermos humanos!
Acho que depois dessa revelação, desse não ficar calada, começo a entender o que quer dizer "tornar-se mulher": é entender esse passado opressor e de luta, é saber que muito do que não preciso enfrentar hoje foi conquistado por mulheres que morreram defendendo direitos que hoje são meus, é ter a consciência de que é preciso continuar a desconstrução para que as próximas gerações não precisem continuar a lutar.
"Nós evoluímos. Mas nossas ideias de gênero ainda deixam a desejar. [...] Perdemos muito tempo ensinando as meninas a se preocupar com o que os meninos pensam delas. Mas o oposto não acontece. Não ensinamos meninos a se preocupar em ser "benquistos". Se, por um lado, perdemos muito tempo dizendo às meninas que elas não podem sentir raiva ou ser agressivas ou duras, por outro, elogiamos ou perdoamos os meninos pelas mesmas razões. [...] É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente."
Sejamos todos feministas - Chimamanda Ngozi Adichie
Este post é parte da blogagem coletiva do Rotaroots. Old is cool!